Harmonia Divina: A Unidade de Jesus, Muhammad e Baha'u'lláh na Busca da Verdade Suprema

Os livros sagrados, a Bíblia e o Alcorão

Por Guilherme Bitencourt

Deparei-me com uma pergunta de um amigo cristão sobre algo que, para ele, pareceu contraditório dentro da Fé Bahá’í: a Unidade das Religiões. Ele disse que Muhammad (talvez quisesse dizer o Islam) nega a crucificação e a ressurreição de Jesus, e a Fé Bahá’í, ao assumir essa posição de que todas as religiões sustentam a mesma verdade, acaba se tornando contraditória. Essa dúvida do amigo cristão me inspirou a escrever este texto, de acordo com o primeiro ensinamento de Bahá’u’lláh, "a investigação da realidade. O homem deve procurar a verdade por si mesmo, afastando-se da imitação e das meras formas hereditárias" (Hushmand Fatheazam, O Novo Jardim, pág. 62). Irei analisar onde estão no texto corânico essas contradições que muitos cristãos e muçulmanos dizem contradizer o texto bíblico, e se elas sustentam a perspectiva Bahá'í da Unidade das Religiões, mostrando que existe uma única verdade.

A princípio, toda essa confusão não é apenas entre cristãos, mas também entre muçulmanos. Gira em torno de alguns versículos corânicos, em especial o seguinte, que parece curiosamente negar a historicidade da crucificação.

No Alcorão, está escrito:

Wa-ma qataluhu wa-ma salabuhu wa lakim shubbiha lahum

Significa:

“Eles não o mataram, nem o crucificaram, mas o confundiram com outro.”

- Alcorão Sagrado 4:157

Embora seja verdade que a maioria dos comentaristas do Alcorão negou a crucificação de Jesus, essa visão não está realmente enraizada nos versos do Alcorão, mas vem de comentários que se baseiam em fontes não corânicas. Houve interpretações alternativas dos mesmos versos do Alcorão que, coletivamente, oferecem uma série de perspectivas sobre a crucificação – desde a negação total até a afirmação real de que a crucificação ocorreu historicamente.

Estudiosos muçulmanos xiitas ismaelitas do século X e XI apresentam uma perspectiva distinta da que prevalece entre a massa muçulmana dos dias de hoje que acredita na substituição de Jesus por outro, não tendo então sido crucificado. Os Ikhuwan Al-Saffah, Ja'far ibn Mansur al-Yaman, Abu Hatim al-azi, Abu Yaqub al-Sijistani e al-Mu'ayyad fi'l Din al-Shirazi apresentam argumentos contundentes confirmando a historicidade da crucificação.

De acordo com Mu’ayyad fi’l Din al-Shirazi, negar a historicidade da crucificação chega a ser até mesmo uma contradição ao fato histórico estabelecido pelo testemunho das comunidades judaica e cristã.

Também há outros muçulmanos de fora do ciclo xiita ismaelita que defendem a historicidade da crucificação. Al-Qassim Ibn Ibrahim al-Rassi, influente estudioso da tradição xiita zaidita, e o proeminente estudioso sunita Imam Ghazali concordaram com a historicidade da crucificação. Todos esses estudiosos do passado estavam de acordo com o Alcorão e não entraram em contradição. A prova disso vem a seguir.

O Alcorão declara:

E quando Deus disse: Ó Jesus, por certo que porei termo à tua estada na terra (mutawafeeka); ascenderei-te-ei até Mim e salvar-te-ei dos incrédulos, fazendo prevalecer sobre eles os teus seguidores, até ao Dia da Ressurreição. Então, a Mim será o vosso retorno e julgarei as questões pelas quais divergis.

- Alcorão Sagrado 3:55

Em outra Surata, também diz:

E recordar-te de quando Deus disse: Ó Jesus, filho de Maria! Foste tu quem disseste aos homens: Tomai a mim e a minha mãe por duas divindades, em vez de Deus? Respondeu: Glorificado sejas! É inconcebível que eu tenha dito o que por direito não me corresponde. Se tivesse dito, tê-lo-ias sabido, porque Tu conheces a natureza da minha mente, ao passo que ignoro o que encerra a Tua. Somente Tu és Conhecedor do incognoscível. Não lhes disse, senão o que me ordenaste: Adorai a Deus, meu Senhor e vosso! E enquanto permaneci entre eles, fui testemunha contra eles; e quando quiseste encerrar os meus dias na terra (tawaffaytanee), foste Tu o seu Único observador, porque és Testemunha de tudo.

- Alcorão 5:116-117

No versículo 157 do 4º capítulo, As Mulheres, do Alcorão, diz que seus opositores não o mataram, mas no versículo 55 do 3º capítulo do Alcorão, A Família de Imran, revela que Deus diz que findaria a vida de Jesus, “por certo porei termo à sua estada na terra”, enquanto nos versículos 116-117 do 5º capítulo do Alcorão, A Mesa Servida, Jesus responde a Deus dizendo, quando quiseste encerrar os meus dias na terra, em conformidade com o capítulo 3º versículo 55. Então fica a dúvida, qual é o entendimento correto desses versículos do Alcorão?

No primeiro versículo acima, afirma que eles não o mataram, o Alcorão está respondendo às alegações absurdas feitas pelos inimigos judeus de Jesus. Em nenhum lugar o Alcorão nega o fato da crucificação de Jesus, mas nega o fato de que seus executores foram os judeus. Literalmente, Jesus foi executado pelos romanos, instigados pela liderança judaica pró-romana, que não tinha nem poder nem autoridade para executá-lo. Ainda sim, alguns rabinos judeus no Talmude da Babilônia alegaram que Jesus foi julgado, apedrejado e enforcado pela liderança judaica de acordo com a lei judaica (Halachá).

O Talmude afirma que:

“Jesus, o Nazareno, será apedrejado porque praticou feitiçaria e instigou e seduziu Israel à idolatria”. Na mesma seção, o Talmud cita um rabino acusando Maria, a mãe de Jesus, de ser uma prostituta: “Ela, que era descendente de príncipes e governadores, se prostituía com carpinteiros” (Peter Schafer, Jesus no Talmude, pág. 63-74).

O versículo 4:157 do Alcorão apenas está respondendo contra as alegações difamatórias feitas a Maria e Jesus no Talmude, negando a alegação dos inimigos judeus de Jesus de tê-lo matado. No segundo versículo aqui mencionado, o Alcorão nos informa que foi Deus que causou a morte de Jesus, o exaltando e o fazendo ascender a Sua Presença. Assim, o Alcorão reinterpreta a crucificação e enfraquece as alegações rabínicas que afirmam ter desonrado e envergonhado a Jesus, afirmando que a morte de Jesus era, na realidade, uma vitória para Deus e uma reivindicação de Jesus.

Uma carta em nome do Guardião (Shoghi Effendi), a um fiel individualmente, diz:

"A respeito de sua pergunta relativa a Surah 4:157 do Alcorão, em que Muhammad diz que os judeus não Crucificaram Jesus, mas alguém parecido com ele; o que se entende por esta passagem é que, embora os judeus tenham conseguido destruir o corpo físico de Jesus, eles eram impotentes em destruir a realidade divina Nele." (19 de março de 1938; em Lights of Guidance, n.1669)

Aqui, Shoghi Effendi traz a perspectiva Bahá'í que menciona, de acordo com o evangelho, a participação dos judeus em findar a vida de Jesus. Embora Roma controlasse toda a nação, permitiu ao Sinédrio (Conselho Judaíco) manter a jurisdição sobre questões religiosas. Foi a esse Sinédrio que Jesus foi levado, julgado e mais tarde condenado, sendo executado pelos romanos. Por esse motivo, Shoghi Effendi diz que "embora os judeus tenham conseguido destruir o corpo físico de Jesus", pelo fato de que foram os judeus fariseus que perseguiram, julgaram e condenaram injustamente a Jesus.

Enquanto nos versículos do Alcorão seguintes, 3:55 e 5:116-117, em que as palavras árabes usadas são "mutawafeeka" e "tawaffaytanee", traduzidas como Deus encerrando a estada ou os dias na terra, ocorrem por todo o Alcorão para descrever o ato de Deus ou Seus Anjos recolhendo almas quando morrem. Assim, o Alcorão afirma que Jesus de fato morreu, mas atribui sua morte à vontade de Deus e não à ação dos inimigos de Jesus, em conformidade com o versículo 4:157.

Então, em nenhum lugar do Alcorão nega a crucificação como a maioria dos muçulmanos erroneamente interpretam, mas sim a ressurreição corporal como muitos cristãos nos dias de hoje acreditam.

Sobre a ressurreição, Bahá’u’lláh explica seu significado original conforme a Bíblia e também o Alcorão de maneira bem didática, lançando luz sobre todas as desavenças e dúvidas sobre o assunto.

Bahá'u'lláh revela em seu livro:

"E todavia, por causa do mistério do primeiro versículo, essas pessoas se afastaram da graça prometida pelo último, apesar do fato de ser explicitamente mencionado no Livro o 'alcance da Presença Divina' no 'Dia da Ressurreição'. Já se demonstrou e estabeleceu definitivamente, por meio de provas claras, que 'Ressurreição' significa o aparecimento do Manifestante de Deus para proclamar Sua Causa, e 'alcançar a Presença Divina' quer dizer alcançar a presença de Sua Beleza na pessoa de Seu Manifestante."

- Kitab Iqan, pág. 105

Ele também explica:

"Como os seguidores de Jesus jamais compreenderam o sentido oculto dessas palavras, e como os sinais esperados por eles e pelos dirigentes de sua Fé não apareceram, eles, por isso, se recusaram a admitir — e ainda hoje se recusam — a verdade dos Manifestantes da Santidade que têm vindo desde os dias de Jesus. Assim se privaram das emanações da santa graça de Deus e das maravilhas de Suas palavras divinas. Tal é seu baixo grau neste Dia, o Dia da Ressurreição! Nem mesmo perceberam que, se os sinais do Manifestante de Deus em cada era aparecessem no reino visível de acordo com o texto das tradições estabelecidas, seria impossível que pessoa alguma o negasse ou d'Ele se afastasse, e assim o bem-aventurado não se distinguiria do desventurado, o transgressor do piedoso."

- Kitab Iqan, pág. 51-52

Uma carta escrita com a assinatura do Guardião (Shoghi Effendi), neto de Abdul-Bahá, responde a um fiel bahá’í individualmente acerca da posição bahá’í sobre a ressurreição:

"Nós não acreditamos que houve uma ressurreição corporal após a Crucificação de Cristo, mas que houve um tempo após a Sua Ascensão, quando Seus discípulos perceberam espiritualmente Sua verdadeira grandeza e perceberam que Ele era eterno em ser. Isto é o que foi relatado simbolicamente no Novo Testamento e foi mal interpretado. Sua alimentação com os discípulos após a ressurreição é a mesma coisa." (9 de Outubro de 1947)

Em suma, os ensinamentos bahá’ís comprovem a historicidade da crucificação e esclarecem o verdadeiro significado da palavra ressurreição de acordo com os evangelhos e o Alcorão, como também confirmam que as religiões divinas são essencialmente uma só. Encerro aqui com as resplandecentes palavras do Mestre Abdu’l-Bahá para meditação e reflexão:

...as divinas religiões dos santos Manifestantes de Deus são, na realidade, a mesma coisa, embora sejam designadas por nomes diferentes. O homem deve amar a luz, não importa em que horizonte ela surja. Ele deve amar a rosa, não importa em que solo ela cresça. Ele deve ser um buscador da verdade, não importa de que fonte ela provenha. Apego à lâmpada não significa amor à luz. Apego à terra é indigno, o que é digno é desfrutar a rosa que surge no solo. Deve ser um buscador da verdade, não importa de que fonte ela provenha. Apego à lâmpada não significa amor à luz. Apego à terra é indigno, o que é digno é desfrutar a rosa que surge no solo. Deve ser um buscador da verdade, não importa de que fonte ela provenha. Apego à lâmpada não significa amor à luz. Apego à terra é indigno, o que é digno é desfrutar a rosa que surge no solo.

Devoção à árvore é inútil; benéfico é participar dos frutos. Frutos deliciosos devem ser saboreados, não importa em que árvore cresçam ou onde sejam encontrados. A palavra da verdade deve ser apoiada, não importa que língua a pronuncie. Verdades absolutas devem ser aceitas, não importa em que livro estejam registradas. Se fomentarmos o preconceito, ele será causa de privação e ignorância. O conflito entre religiões, nações e raças surge da incompreensão. Se investigarmos as religiões para descobrirmos os princípios subjacentes aos seus fundamentos, veremos que elas estão de acordo; pois a realidade fundamental delas é uma e não múltipla. Através disso, os seguidores das religiões do mundo chegarão à sua unidade e reconciliação.” (Hushmand Fatheazam, O Novo Jardim, pág. 61, Marco Oliveira, Terapia Divina, pág. 47).

 


2 comentários:

  1. Parabéns!!
    Caro Guilherme, você é conhecedor de várias culturas, religiões e costumes, mas principalmente, que "todos somos um", basta cada qual entender isso.
    Feliz em conhecê-lo e poder ler seus artigos.

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