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Os livros sagrados, a Bíblia e o Alcorão |
Deparei-me com uma pergunta de um amigo cristão
sobre algo que, para ele, pareceu contraditório dentro da Fé Bahá’í: a Unidade
das Religiões. Ele disse que Muhammad (talvez quisesse dizer o Islam) nega a
crucificação e a ressurreição de Jesus, e a Fé Bahá’í, ao assumir essa posição
de que todas as religiões sustentam a mesma verdade, acaba se tornando
contraditória. Essa dúvida do amigo cristão me inspirou a escrever este texto,
de acordo com o primeiro ensinamento de Bahá’u’lláh, "a investigação da
realidade. O homem deve procurar a verdade por si mesmo, afastando-se da
imitação e das meras formas hereditárias" (Hushmand Fatheazam, O Novo
Jardim, pág. 62). Irei analisar onde estão no texto corânico essas
contradições que muitos cristãos e muçulmanos dizem contradizer o texto
bíblico, e se elas sustentam a perspectiva Bahá'í da Unidade das Religiões,
mostrando que existe uma única verdade.
A princípio, toda essa confusão não é apenas entre
cristãos, mas também entre muçulmanos. Gira em torno de alguns versículos
corânicos, em especial o seguinte, que parece curiosamente negar a
historicidade da crucificação.
No Alcorão, está escrito:
Wa-ma qataluhu wa-ma salabuhu wa lakim
shubbiha lahum
Significa:
“Eles não o mataram, nem o
crucificaram, mas o confundiram com outro.”
- Alcorão Sagrado 4:157
Embora seja verdade que a maioria dos
comentaristas do Alcorão negou a crucificação de Jesus, essa visão não está
realmente enraizada nos versos do Alcorão, mas vem de comentários que se
baseiam em fontes não corânicas. Houve interpretações alternativas dos mesmos
versos do Alcorão que, coletivamente, oferecem uma série de perspectivas sobre
a crucificação – desde a negação total até a afirmação real de que a
crucificação ocorreu historicamente.
Estudiosos muçulmanos xiitas ismaelitas do século
X e XI apresentam uma perspectiva distinta da que prevalece entre a massa
muçulmana dos dias de hoje que acredita na substituição de Jesus por outro, não
tendo então sido crucificado. Os Ikhuwan Al-Saffah, Ja'far ibn Mansur al-Yaman,
Abu Hatim al-azi, Abu Yaqub al-Sijistani e al-Mu'ayyad fi'l Din al-Shirazi
apresentam argumentos contundentes confirmando a historicidade da crucificação.
De acordo com Mu’ayyad fi’l Din al-Shirazi, negar
a historicidade da crucificação chega a ser até mesmo uma contradição ao fato
histórico estabelecido pelo testemunho das comunidades judaica e cristã.
Também há outros muçulmanos de fora do ciclo xiita
ismaelita que defendem a historicidade da crucificação. Al-Qassim Ibn Ibrahim
al-Rassi, influente estudioso da tradição xiita zaidita, e o proeminente
estudioso sunita Imam Ghazali concordaram com a historicidade da crucificação.
Todos esses estudiosos do passado estavam de acordo com o Alcorão e não
entraram em contradição. A prova disso vem a seguir.
O Alcorão declara:
E quando Deus disse: Ó Jesus, por
certo que porei termo à tua estada na terra (mutawafeeka); ascenderei-te-ei até
Mim e salvar-te-ei dos incrédulos, fazendo prevalecer sobre eles os teus
seguidores, até ao Dia da Ressurreição. Então, a Mim será o vosso retorno e
julgarei as questões pelas quais divergis.
- Alcorão Sagrado 3:55
Em outra Surata, também diz:
E recordar-te de quando Deus disse: Ó
Jesus, filho de Maria! Foste tu quem disseste aos homens: Tomai a mim e a minha
mãe por duas divindades, em vez de Deus? Respondeu: Glorificado sejas! É
inconcebível que eu tenha dito o que por direito não me corresponde. Se tivesse
dito, tê-lo-ias sabido, porque Tu conheces a natureza da minha mente, ao passo
que ignoro o que encerra a Tua. Somente Tu és Conhecedor do incognoscível. Não
lhes disse, senão o que me ordenaste: Adorai a Deus, meu Senhor e vosso! E
enquanto permaneci entre eles, fui testemunha contra eles; e quando quiseste
encerrar os meus dias na terra (tawaffaytanee), foste Tu o seu Único
observador, porque és Testemunha de tudo.
- Alcorão 5:116-117
No versículo 157 do 4º capítulo, As Mulheres, do
Alcorão, diz que seus opositores não o mataram, mas no versículo 55 do 3º
capítulo do Alcorão, A Família de Imran, revela que Deus diz que findaria a
vida de Jesus, “por certo porei termo à sua estada na terra”, enquanto nos
versículos 116-117 do 5º capítulo do Alcorão, A Mesa Servida, Jesus responde a
Deus dizendo, quando quiseste encerrar os meus dias na terra, em conformidade
com o capítulo 3º versículo 55. Então fica a dúvida, qual é o entendimento
correto desses versículos do Alcorão?
No primeiro versículo acima, afirma que eles não o
mataram, o Alcorão está respondendo às alegações absurdas feitas pelos inimigos
judeus de Jesus. Em nenhum lugar o Alcorão nega o fato da crucificação de
Jesus, mas nega o fato de que seus executores foram os judeus. Literalmente,
Jesus foi executado pelos romanos, instigados pela liderança judaica
pró-romana, que não tinha nem poder nem autoridade para executá-lo. Ainda sim,
alguns rabinos judeus no Talmude da Babilônia alegaram que Jesus foi julgado,
apedrejado e enforcado pela liderança judaica de acordo com a lei judaica
(Halachá).
O Talmude afirma que:
“Jesus, o Nazareno, será apedrejado
porque praticou feitiçaria e instigou e seduziu Israel à idolatria”. Na mesma
seção, o Talmud cita um rabino acusando Maria, a mãe de Jesus, de ser uma
prostituta: “Ela, que era descendente de príncipes e governadores, se
prostituía com carpinteiros” (Peter Schafer, Jesus no Talmude, pág. 63-74).
O versículo 4:157 do Alcorão apenas está
respondendo contra as alegações difamatórias feitas a Maria e Jesus no Talmude,
negando a alegação dos inimigos judeus de Jesus de tê-lo matado. No segundo
versículo aqui mencionado, o Alcorão nos informa que foi Deus que causou a
morte de Jesus, o exaltando e o fazendo ascender a Sua Presença. Assim, o
Alcorão reinterpreta a crucificação e enfraquece as alegações rabínicas que
afirmam ter desonrado e envergonhado a Jesus, afirmando que a morte de Jesus
era, na realidade, uma vitória para Deus e uma reivindicação de Jesus.
Uma carta em nome do Guardião (Shoghi Effendi), a
um fiel individualmente, diz:
"A respeito de sua pergunta
relativa a Surah 4:157 do Alcorão, em que Muhammad diz que os judeus não
Crucificaram Jesus, mas alguém parecido com ele; o que se entende por esta
passagem é que, embora os judeus tenham conseguido destruir o corpo físico de
Jesus, eles eram impotentes em destruir a realidade divina Nele." (19 de
março de 1938; em Lights of Guidance, n.1669)
Aqui, Shoghi Effendi traz a perspectiva Bahá'í que
menciona, de acordo com o evangelho, a participação dos judeus em findar a vida
de Jesus. Embora Roma controlasse toda a nação, permitiu ao Sinédrio (Conselho
Judaíco) manter a jurisdição sobre questões religiosas. Foi a esse Sinédrio que
Jesus foi levado, julgado e mais tarde condenado, sendo executado pelos
romanos. Por esse motivo, Shoghi Effendi diz que "embora os judeus tenham
conseguido destruir o corpo físico de Jesus", pelo fato de que foram os
judeus fariseus que perseguiram, julgaram e condenaram injustamente a Jesus.
Enquanto nos versículos do Alcorão seguintes, 3:55
e 5:116-117, em que as palavras árabes usadas são "mutawafeeka" e
"tawaffaytanee", traduzidas como Deus encerrando a estada ou os dias
na terra, ocorrem por todo o Alcorão para descrever o ato de Deus ou Seus Anjos
recolhendo almas quando morrem. Assim, o Alcorão afirma que Jesus de fato morreu,
mas atribui sua morte à vontade de Deus e não à ação dos inimigos de Jesus, em
conformidade com o versículo 4:157.
Então, em nenhum lugar do Alcorão nega a
crucificação como a maioria dos muçulmanos erroneamente interpretam, mas sim a
ressurreição corporal como muitos cristãos nos dias de hoje acreditam.
Sobre a ressurreição, Bahá’u’lláh explica seu
significado original conforme a Bíblia e também o Alcorão de maneira bem
didática, lançando luz sobre todas as desavenças e dúvidas sobre o assunto.
Bahá'u'lláh revela em seu livro:
"E todavia, por causa do mistério
do primeiro versículo, essas pessoas se afastaram da graça prometida pelo
último, apesar do fato de ser explicitamente mencionado no Livro o 'alcance da
Presença Divina' no 'Dia da Ressurreição'. Já se demonstrou e estabeleceu
definitivamente, por meio de provas claras, que 'Ressurreição' significa o
aparecimento do Manifestante de Deus para proclamar Sua Causa, e 'alcançar a
Presença Divina' quer dizer alcançar a presença de Sua Beleza na pessoa de Seu
Manifestante."
- Kitab Iqan, pág. 105
Ele também explica:
"Como os seguidores de Jesus
jamais compreenderam o sentido oculto dessas palavras, e como os sinais
esperados por eles e pelos dirigentes de sua Fé não apareceram, eles, por isso,
se recusaram a admitir — e ainda hoje se recusam — a verdade dos Manifestantes
da Santidade que têm vindo desde os dias de Jesus. Assim se privaram das
emanações da santa graça de Deus e das maravilhas de Suas palavras divinas. Tal
é seu baixo grau neste Dia, o Dia da Ressurreição! Nem mesmo perceberam que, se
os sinais do Manifestante de Deus em cada era aparecessem no reino visível de
acordo com o texto das tradições estabelecidas, seria impossível que pessoa
alguma o negasse ou d'Ele se afastasse, e assim o bem-aventurado não se distinguiria
do desventurado, o transgressor do piedoso."
- Kitab Iqan, pág. 51-52
Uma carta escrita com a assinatura do Guardião
(Shoghi Effendi), neto de Abdul-Bahá, responde a um fiel bahá’í individualmente
acerca da posição bahá’í sobre a ressurreição:
"Nós não acreditamos que houve
uma ressurreição corporal após a Crucificação de Cristo, mas que houve um tempo
após a Sua Ascensão, quando Seus discípulos perceberam espiritualmente Sua
verdadeira grandeza e perceberam que Ele era eterno em ser. Isto é o que foi
relatado simbolicamente no Novo Testamento e foi mal interpretado. Sua
alimentação com os discípulos após a ressurreição é a mesma coisa." (9 de
Outubro de 1947)
Em suma, os ensinamentos bahá’ís comprovem a
historicidade da crucificação e esclarecem o verdadeiro significado da palavra
ressurreição de acordo com os evangelhos e o Alcorão, como também confirmam que
as religiões divinas são essencialmente uma só. Encerro aqui com as
resplandecentes palavras do Mestre Abdu’l-Bahá para meditação e reflexão:
“...as divinas religiões dos santos
Manifestantes de Deus são, na realidade, a mesma coisa, embora sejam designadas
por nomes diferentes. O homem deve amar a luz, não importa em que horizonte ela
surja. Ele deve amar a rosa, não importa em que solo ela cresça. Ele deve ser
um buscador da verdade, não importa de que fonte ela provenha. Apego à lâmpada
não significa amor à luz. Apego à terra é indigno, o que é digno é desfrutar a
rosa que surge no solo. Deve ser um buscador da verdade, não importa de que fonte
ela provenha. Apego à lâmpada não significa amor à luz. Apego à terra é
indigno, o que é digno é desfrutar a rosa que surge no solo. Deve ser um
buscador da verdade, não importa de que fonte ela provenha. Apego à lâmpada não
significa amor à luz. Apego à terra é indigno, o que é digno é desfrutar a rosa
que surge no solo.
Devoção à árvore é inútil; benéfico é
participar dos frutos. Frutos deliciosos devem ser saboreados, não importa em
que árvore cresçam ou onde sejam encontrados. A palavra da verdade deve ser
apoiada, não importa que língua a pronuncie. Verdades absolutas devem ser
aceitas, não importa em que livro estejam registradas. Se fomentarmos o
preconceito, ele será causa de privação e ignorância. O conflito entre
religiões, nações e raças surge da incompreensão. Se investigarmos as religiões
para descobrirmos os princípios subjacentes aos seus fundamentos, veremos que
elas estão de acordo; pois a realidade fundamental delas é uma e não múltipla.
Através disso, os seguidores das religiões do mundo chegarão à sua unidade e
reconciliação.” (Hushmand Fatheazam, O Novo Jardim, pág. 61, Marco Oliveira,
Terapia Divina, pág. 47).
Parabéns!!
ResponderExcluirCaro Guilherme, você é conhecedor de várias culturas, religiões e costumes, mas principalmente, que "todos somos um", basta cada qual entender isso.
Feliz em conhecê-lo e poder ler seus artigos.
Este comentário foi removido pelo autor.
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