Fé Mundial para o Homem Moderno

 

Santuário do Báb em Haifa, Israel.

Por Arthur L.

Natureza e Propósito


A Fé Bahá'í é uma religião nova, independente, universal, cujo objetivo é revivificar a humanidade espiritualmente, demolir as barreiras entre os povos e lançar o alicerce para uma sociedade mundial unificada, baseada em princípios de justiça e amor.


A Fé Bahá'í reconhece que o problema principal de nossa era é a solução de uma série de conflitos profundamente arraigados, os quais se entrelaçam, penetrando em vários níveis da sociedade: conflitos entre ideologias, nações, religiões, raças e classes. Tais conflitos, quando combinados com as armas de aniquilamento produzidas pela nossa era, ameaçam o futuro da civilização como nós a conhecemos. Dão uma orientação errada aos esforços da ciência e da tecnologia numa época em que o homem está começando a descobrir os mistérios do espaço interplanetário a de aproveitar novas fontes de energia. Estes conflitos consomem uma desmedida proporção de nossos esforços, e nos desviam a atenção da conquista de nossos inimigos naturais: a ignorância, a doença, a fome.


A opinião mundial reconhece, em escala crescente, o fato de que a solução desses conflitos deve ser aplicada em nível mundial, a fim de que haja oportunidade duradoura de manter a paz. Cresce também a convicção de que todos esses conflitos têm como causa fundamental a falta de um dinamismo espiritual, de um poder moral ou ético bastante forte para neutralizar as forças sociais divisaras e canalizar os esforços dos homens em direções construtivas. Quando, no entanto, contemplamos o campo da religião - fonte histórica de orientação e assistência espirituais - verificamos estarem as grandes religiões distintamente divididas, constituindo, elas mesmas, uma das áreas principais de conflito. Existem separadamente umas das outras e, através dos séculos, vêm desenvolvendo em seus adeptos atitudes para com a vida que mostram uma larga divergência e impedem um entendimento geral e a cooperação entre os povos.


Desde que uma solução duradoura de nossos problemas políticos e econômicos seja atingível somente em nível mundial, é mister que primeiro seja feito algo para transpor a vasta brecha espiritual existente entre os seguidores das principais religiões. E difícil visualizar, por exemplo, o estabelecimento de um genuíno governo mundial enquanto vários segmentos da população do mundo, em tão notável grau, diferem em seus propósitos, atitudes e valores fundamentais. O que se torna imprescindível é uma nova atitude espiritual que possa a um tempo reconciliar as contradições básicas nas principais crenças religiosas, ser consistente com modernos princípios científicos e racionais e oferecer a todos os povos um conjunto de valores e um sentido para a vida, que eles possam aceitar e aplicar. Para satisfazer tal necessidade, a Fé Bahá'í apresenta uma série de ensinamentos desafiadores no conceito da revelação progressiva.


Revelação Progressiva


O mais grave empecilho da unidade religiosa tem sido a insistência, por parte de cada uma das principais religiões em que seu Fundador e Profeta possua algum grau de autoridade exclusiva ou de caráter definitivo. A Fé Bahá'í ensina que esta divisão tradicional é resultado de interpretação errônea das palavras simbólicas dessas grandes Figuras espirituais. Na opinião bahá'í, a força incognoscível que é responsável por toda a criação Deus, guia e ajuda a quem está no ápice de Sua criação, ou seja o homem, mandando-lhe periodicamente um Educador. Este Educador, fisicamente um homem como os demais, foi escolhido por Deus e divinamente inspirado a exercer três funções: (1) reafirmar as eternas verdades espirituais, tais como a Regra de Ouro que se encontra na maioria dos ensinamentos religiosos; (2) trazer leis e ensinamentos aplicáveis às necessidades da sociedade de Seu tempo, mas que não sejam, necessariamente, destinados a ser permanentes; e (3) liberar no mundo inteiro uma força espiritual, intangível, mas cujos efeitos sejam bem mensuráveis, força esta, em virtude da qual milhões de pessoas haverão de responder ao Profeta e aos Seus Ensinamentos, reconhecendo-os como sendo provenientes de Deus, fazendo com que a nova religião se torne o grande ímpeto para a próxima ascendência cíclica da civilização.


A chave para a interpretação Bahá'í do significado da religião no desenvolvimento da sociedade é a sua ênfase na natureza periódica, evolucionária dessa influência. Se Deus concede à humanidade qualquer orientação, é lógico que Ele faria isto desde o próprio início da existência do homem como espécie, e que continuaria a guiá-lo indefinidamente. E uma vez que mudança e progresso ordenados caracterizam todos os outros aspectos de nossa vida, por que não devem ser aplicáveis ao nosso desenvolvimento espiritual também? Por acreditarem que os Mensageiros de Deus são divinamente inspirados, proferindo a palavra de Deus e ocupando um nível de existência bem acima do homem comum, os Bahá'ís Os reverenciaram em Sua excelsa posição de ascendência espiritual e como fonte de conhecimento de Deus que seja acessível ao homem, mas não adoram a estes Mensageiros como sendo Deus encarnado. Aceitando o fato de que os Reveladores de todas as principais religiões existentes, Krishna, Buda, Zoroastro, Moisés, Jesus Cristo e Muhammad ocupam igualmente a posição de Manifestante de Deus, e reconhecendo as religiões por Eles estabelecidas como sendo genuínas e verdadeiras expressões da mensagem de Deus, o ponto de vista Bahá'í reconcilia os conceitos básicos dessas religiões sem exigir que seja repudiada a lealdade a qualquer um dos Fundadores ou a crença em Sua divindade. Grandes divergências em seus ensinamentos hoje podem ser explicadas pelas alterações que Profetas sucessivos têm feito nas leis, aplicáveis às transitórias exigências da sociedade, e pelo fato de que muitos dos ensinamentos atuais das igrejas ortodoxas derivam, não das palavras originais dos Profetas, mas sim, dos dogmas e interpretações acrescentados subseqüentemente pelos falíveis dirigentes eclesiásticos. Com efeito, os Bahá'ís consideram todas essas grandes religiões do mundo como sendo parte da mesma religião evolutiva, a qual tem sido reformulada e revigorada periodicamente pela vinda de um novo Profeta que é inspirado pela mesma fonte de sabedoria e poder espiritual.


Levando este conceito até nossa era, os Bahá'ís acreditam que este período da história é comparável, em muitos aspectos, às eras do passado em que os grandes Profetas vieram esclarecer e guiar a humanidade. Certamente, o mundo se afastou da religião, pelo menos em seu sentido puro, como uma influência e inspiração nas vidas e ações diárias de grandes grupos de pessoas. Em conseqüência, carecemos de uma moralidade básica e temos permitido que se desenvolvesse uma atitude mental em que o conflito prosperasse, tornando-se o fato dominante e o problema crítico de nosso tempo.


Muitos procuraram uma revivificação espiritual mas divergem quanto ao modo de atingi-Ia. Se as lições do passado são significativas, tal revivificação será alcançada somente através do aparecimento de um grande novo dirigente espiritual, e não pela renovação de qualquer das instituições religiosas do passado.


E é isto, exatamente, que a Fé Bahá'í afirma ter acontecido. Bahá'u'lláh, que fundou a Fé, é aceito pelos Bahá'ís como o Profeta de Deus para nosso tempo, guiado por Deus, do mesmo modo que Cristo, Maomé, Moisés e os outros Profetas, possuindo o mesmo dinamismo espiritual e tendo vindo ao mundo para desempenhar as mesmas três funções. Acredita-se ter Ele a mesma capacidade para neutralizar dominantes influências negativas e conduzir a humanidade a um novo nível de existência pacífica, unificada e construtiva.


História da Fé Bahá'í


Em 23 de maio de 1844, um jovem persa declarou-se o precursor de uma importante nova Figura espiritual, e assumiu o título de Báb (Porta). Seus ensinamentos eram profundos e poéticos e foram largamente aceitos na Pérsia. Mas também foram considerados heréticos pelos fanáticos mullás islâmicos, que ensinavam ser Maomé o maior e o último dos Profetas, e que receavam que os Bábís representassem uma ameaça à solidez de sua posição. O clero islâmico, pois, coligou-se com o governo corrupto para exterminar a nova Fé pela força. Durante duas décadas, mais de vinte mil Bábís foram martirizados, sendo muitas vezes, cruelmente torturados. O próprio Báb foi fuzilado publicamente, em 1850, perante cerca de 10.000 espectadores. Esse período constitui um dos episódios heróicos e dramáticos da história moderna e merece ser melhor conhecido no mundo ocidental.


Um dos Bábís mais ativos foi Mirza Husayn 'Alí, filho de um dos ministros do governo, que desde jovem mostrou maior interesse em assuntos espirituais do que no mundo da política e da sociedade. Abraçou a Fé Bábí desde sua etapa inicial, e demonstrou uma compreensão notável dos sentidos mais profundos dos ensinamentos do Báb. Em 1853, enquanto na prisão por causa de suas atividades Bábís, teve uma indicação de que era Ele o grande Profeta predito pelo Báb, mas não anunciou isto publicamente até 1863. O título de Bahá'u'lláh (Glória de Deus) Lhe havia sido conferido pelo Báb. A maioria dos Bábís aceitou Sua pretensão, tornando-se Bahá'ís (Seguidores da Glória), embora houvessem algumas deserções por parte daqueles que aspiravam à liderança e se sentiram desapontados.


Muitos hoje tendem a pensar em Profetas em termos de épocas passadas. Parece difícil relacionar esses seres remotos e santos ao mundo moderno e aos problemas do dia a dia. Bahá'u'lláh , entretanto, não só viveu em nosso tempo, mas também foi contemporâneo no mais pleno sentido da palavra. Não somente são Seus ensinamentos extremamente adiantados, como Ele pessoalmente, exercia uma influência profunda sobre todos os que tinham contato com Ele - uma influência que continuará a estender-se por séculos.


Um famoso orientalista da Universidade de Cambridge, o professor Edward G. Browne, que visitou Bahá'u'lláh em 1890, sendo um dos poucos ocidentais a ter o privilégio de estar em Sua Presença, escreveu vividamente acerca Dele: "Jamais me esquecerei da fisionomia daquele para quem olhava, embora não possa descrevê-Ia. Aqueles olhos penetrantes pareciam ler-nos a própria alma; poder e autoridade residiam naquela testa larga; enquanto as linhas profundas do rosto indicavam uma idade que os cabelos pretos de azeviche e a barba fechada que quase tocava na cintura, pareciam desmentir. Não me foi preciso perguntar em cuja presença estava, enquanto me curvei diante Daquele que é objeto de uma devoção e um amor que os reis poderiam invejar e os imperadores em vão almejar!"


Por causa de contínuas perseguições pela hierarquia islâmica e pelos governos da Pérsia e da Turquia, Bahá'u'lláh e Seus seguidores mais íntimos ficaram presos. Ele até o Seu falecimento em 1892, e Seus seguidores por ainda mais dezesseis anos. Os últimos anos da vida de Bahá'u'lláh foram passados na cidade-fortaleza de 'Akká, e em Bahjí, cidade próxima de 'Akká. Durante todos aqueles anos de prisão, Ele trabalhou ativamente a fim de estabelecer para a nova Fé um alicerce firme, através de escritos copiosos e inspirados, e da sua administração através de correspondência e contato com um grande fluxo de visitantes. Suas poderosas cartas aos monarcas que reinavam naquele tempo prognosticaram acuradamente a tendência da história moderna. Seus escritos· espirituais representam as Escrituras da Fé Bahá'í, nas quais temos pela primeira vez o Livro Sagrado de uma grande religião escrito do próprio punho, autenticado, de seu Fundador, ou assinado por Ele, no caso de ser escrito por um secretário.


Esses escritos são aceitos pelos Bahá'ís como sendo a Palavra de Deus para esta era, e a uma parte importante deles temos agora acesso.


Em Seu Testamento, Bahá'u'lláh nomeou Seu filho mais velho, 'Abdu'l-Bahá, para ser a figura central na Fé após Seu falecimento. De modo algum é 'Abdu'l-Bahá considerado um Profeta divinamente inspirado, como Bahá'u'lláh e o Báb, mas é acatado como exemplar perfeito do espírito dos ensinamentos de Bahá'u'lláh em sua aplicação à vida de um homem, e Suas explicações dos significados desses ensinamentos, escritas num estilo um tanto mais ocidentalizado do que o de Seu Pai, são aceitas como autênticas. Ele era um homem santo, amado e reverenciado por todos aqueles que tiveram contato com Ele.


'Abdu'l-Bahá e Seu séquito foram libertados da prisão pela Revolução dos Jovens Turcos em 1908. Mudou-se para Haifa, e hoje a sede internacional da Fé lá se encontra, no Monte Carmelo, onde belos Santuários e jardins foram construídos. 'Abdu'l-Bahá visitou a Europa em 1911 e Europa e América em 1912, onde falou a auditórios de costa a costa. Foi-lhe conferido o título de Cavalheiro do Império Britânico, em 1920, em vista de Suas atividades humanitárias durante a I Guerra Mundial. Faleceu em 1921.


O Testamento de 'Abdu'l-Bahá estabeleceu a instituição da Guardiania e nomeou como Guardião Seu neto, Shoghi Effendi, que era então estudante na Universidade de Oxford. Durante trinta e seis anos Shoghi Effendi trabalhou arduamente para fortalecer e desenvolver a Ordem Administrativa Bahá'í. Seus próprios escritos, muitos dos quais em inglês, expandiram os horizontes da Fé e lhe deram orientação num período extremamente difícil de sua história. Sua visão da Fé, sua compreensão da situação mundial e sua habilidade superior como administrador foram consideradas pelos Bahá'ís como produto da guia divina conferida a ele em sua qualidade de Intérprete dos Ensinamentos Bahá'ís.


Em Londres, a 4 de Novembro de 1957, Shoghi Effendi faleceu de um ataque cardíaco. Na ocasião de seu falecimento, havia vinte e sete pessoas conhecidas como as Mãos da Causa de Deus, nomeadas por Ele para a prosseguição do trabalho unificado de ensino e a proteção dos interesses da Fé. Mediante seus esforços, a primeira Casa Universal de Justiça foi eleita em 1963 pelas cinqüenta e seis Assembléias Espirituais Nacionais (corpos administrativos eleitos nacionalmente) existentes naquele tempo, de acordo com as explícitas provisões nos Escritos de Bahá'u'lláh e 'Abdu'l-Bahá para a eleição dessa instituição suprema da Fé Bahá'í. Embora eleita democraticamente, a Casa Universal de Justiça no seu funcionamento como uma entidade recebe guia divina, segundo nos asseguram os Escritos de Bahá'u'lláh . Ela age como o supremo corpo legislativo no mundo bahá'í, aplicando os ensinamentos de Bahá'u'lláh para condições e problemas específicos, e provendo a adaptação necessária a novas circunstâncias, essencial nesta era de mudanças tão rápidas.


Ensinamentos Religiosos


Bahá'u'lláh restabeleceu e reafirmou o Convênio entre Deus e o homem, a gloriosa promessa registrada nas várias religiões do passado mas de um modo geral ignorada hoje. Segundo este Convênio, Deus se incumbe de guiar e ajudar o homem a progredir espiritualmente através de Seus Manifestantes, mas o homem, por outro lado, aceita a responsabilidade contínua de amar a Deus e seguir Seus preceitos e leis conforme revelados pelos Profetas, em t9dos os tempos e todos os aspectos de sua vida. E por falta de responsabilidade para com seu Criador que o homem moderno anda tão sem rumo moralmente e está assim suscetível aos preconceitos e conflitos que operam contra seus próprios e melhores interesses.


Os ensinamentos Bahá'ís exigem um padrão de conduta moral extremamente elevado. A monogamia é prescrita para todos, e uma conduta casta é exaltada. O casamento requer o consentimento de todos os pais vivos, e o divórcio deve ser precedido por um ano de separação provisória e por uma tentativa de reconciliação. O álcool e os narcóticos são proibidos a não ser para fins de medicação. Pureza, honestidade, generosidade e abnegação são consideradas virtudes fundamentais; e um senso de responsabilidade por seu próximo é enfatizado. Maledicências e críticas da vida alheia são condenadas. Os Bahá'ís não são puritanos; são encorajados a desfrutarem as legítimas belezas e prazeres oferecidos por este mundo. As restrições nas leis morais não são vestígios ultrapassados de doutrinas puritanas mais sim uma nova asseveração de Deus de que este padrão de conduta levará à maior felicidade e realização em nossas vidas.


Bahá'u'lláh reafirma uma crença na imortalidade da alma individual e amplia o conhecimento do homem acerca da natureza da vida após a morte. O objetivo do homem nesta terra é amar e adorar a Deus, adquirir conhecimento Dele através dos ensinamentos dos Profetas e progredir espiritualmente pela aplicação destes ensinamentos em sua vida diária. O progresso assim atingido será levado avante depois da alma haver se libertado do corp9 e alcançado seu próximo nível de existência. E esta a recompensa da realização espiritual, tão diferente da transferência da alma para um céu ou um inferno literal.


Os escritos Bahá'ís contêm, outrossim, muitas explicações das mais difíceis e simbólicas passagens das Escrituras das religiões passadas, esclarecendo questões que têm motivado divisão religiosa, e relacionando muitas das profecias a acontecimentos reais. O enfoque é racional e está em harmonia com os princípios científicos modernos, embora também inclua um elemento de fé em áreas que ultrapassam a lei natural como é hoje compreendida.


A prece desempenha papel importante na devoção bahá'í, e muitas belas orações foram reveladas nas Escrituras. O efeito de todo o enfoque Bahá'í para com a vida é tornar o crente individual uma pessoa equilibrada, bem-ajustada, em harmonia com seu ambiente. Esta não é uma Fé ascética, mas sim, ensina que a vida mais espiritual é vivida ativamente na sociedade, contribuindo para o processo produtivo e transmitindo às pessoas, através do exemplo e do ensino pessoal, os princípios de Bahá'u'lIáh.


Ensinamentos Políticos e Sociais


A Fé Bahá'í apresenta ensinamentos mais amplos sobre assuntos políticos, econômicos e sociais do que as grandes religiões do passado. Deve-se ter em mente que Bahá'u'lIáh enunciou estes princípios no período entre 1863 e 1892 quando a monarquia era a forma de governo prevalecente, e a revolução industrial mal se iniciara.


A idéia fundamental destes ensinamentos é o princípio da unidade do gênero humano. No passado, as religiões foram regionais em seu impacto e sua influência. Em nossa era, porém, pela primeira vez, o mundo se tornou um só fisicamente e assim, para que os homens prosperem sob tais condições, devem atingir também a unidade espiritual, política e econômica. Através do princípio da revelação progressiva, Bahá'u'lláh tornou possível a reconciliação das doutrinas das principais religiões. É previsto que a Fé Bahá'í irá conduzir os povos gradativamente, à adoção de uma fé universal, o que preencherá as lacunas, tanto espirituais como culturais, ora existentes. Inclui-se neste processo uma compreensão de que nossa lealdade básica é para com a humanidade como um todo e não a qualquer nação ou grupo menor. Isso abrandará a intensidade do nacionalismo, uma das principais causas atuais de conflito.


A fim de efetivar este princípio da unidade do gênero humano, Bahá'u'lláh visualizou uma Ordem Mundial de grande alcance, baseada num governo federado mundial, com autoridade sobre todos os assuntos internacionais, com suas necessárias instituições, tais como uma corte mundial e uma força de segurança internacional. Um idioma internacional será aprendido por todos, além da língua nativa, como meio importante de aumentar o entendimento mútuo, através de melhor comunicação. Adotar-se-á uma atitude universal para com os problemas econômicos, sendo eliminadas gradativamente as barreiras para o livre comércio mundial. O trabalho feito em espírito de serviço será considerado uma forma de devoção a Deus.


As guerras têm de ser abolidas e as energias dos homens concentradas em ocupações construtivas.


Os extremos de riqueza e pobreza serão eliminados, e os homens, de bom grado, auxiliarão seus semelhantes menos afortunados.


Bahá'u'lláh recomendava insistentemente a eliminação de todas as formas de preconceito e superstição, especialmente o preconceito racial. Esta questão é tratada mais específica e enfaticamente do que nas religiões passadas, e é considerada uma responsabilidade espiritual, e não somente um problema humanitário ou educacional.


A Fé Bahá'í ensina também que a religião e a ciência não são contraditórias, mas sim, estão em harmonia e em acordo. Cada uma trata de um aspecto da existência necessário ao progresso do homem e devem ser consideradas como aliadas complementares na luta eterna do homem para seu auto-aprimoramento. A Fé prescreve também a educação universal, a igualdade do homem e da mulher, e a independente investigação da verdade. E não se deve usar de coerção alguma com o fim de induzir alguém a aceitar qualquer ponto de vista especial referente às questões fundamentais da vida; mas se ensina que cada um deve encarar essas questões de frente, estudar e considerar várias maneiras de tratá-Ias, julgando que é privilégio seu bem como uma responsabilidade, tomar uma decisão e executá-la.


Os Bahá'ís crêem que estes princípios em conjunto representam um esboço da sociedade mundial do futuro, e que Deus, por intermédio de Bahá'u'lláh, os deu à humanidade como único remédio para os problemas em que o mundo moderno se encontra. É nossa incumbência pormos em prática estes princípios revolucionários, se quisermos evitar a autodestruição e compreender o tremendo potencial para desenvolvimento construtivo que a ciência moderna e a tecnologia tornaram possível. Nenhum destes princípio pode ser separado dos demais; e, para sua plena realização, todos eles dependem da regeneração espiritual que deve ocorrer antes da humanidade estar preparada ideologicamente para aplicá-los com êxito. Há muitos preconceitos e atitudes profundamente arraigados que temos de superar primeiro, e só podemos esperar fazer isto através do poder de Deus, que efetuou no passado alterações igualmente dramáticas nas tendências sociais.


Ordem Administrativa


Como nova expressão religiosa atuando sob circunstâncias amplamente mudadas, a estrutura organizacional da Fé Bahá'í difere, em importantes aspectos daquela das religiões ortodoxas do passado. Na Fé Bahá'í não há clero profissional. As várias funções de administração, ensine, assistência social e devoção são exercidas por Bahá'ís, nenhum dos quais têm distinção clerical, mas são eleitos por um processo democrático para cargos administrativos, ou se levantam voluntariamente para servirem de acordo com sua preparação e habilidade. A unidade na base da estrutura é a Assembléia Espiritual Local, composta de nove membros eleitos anualmente, existindo onde quer que haja - numa cidade, aldeia ou distrito - nove ou mais Bahá'ís adultos. A Assembléia pode nomear comitês para tratar de tarefas específicas, mas é responsável pelo progresso e bem estar da Fé e dos crentes em sua área. De modo semelhante, a Assembléia Espiritual Nacional, também com nove membros eleitos, é responsável pelos assuntos da Fé em nível nacional. A Casa Universal de Justiça é a suprema autoridade administrativa para os Bahá'ís no mundo inteiro.


A Fé acentua a grande importância de uma atitude espiritual na consulta em grupo. Muito esforço se faz para que sejam deixadas de lado as tendências humanas que tantas vezes causam o desmoronamento de grupo em alterações triviais e conflitos contraproducentes. Espera-se que cada membro expresse seus pontos de vista com a maior habilidade possível, abandonando qualquer identificação pessoal com o seu posicionamento original. Então se faz um esforço genuíno para desenvolver uma opinião grupal que represente a sabedoria do conjunto e possa ser entusiasticamente apoiada por todos.


As atividades da Fé são financiadas exclusivamente por contribuições voluntárias dos Bahá'ís. Não é possível aceitar contribuições de pessoas não Bahá'ís a não ser para fins de obras de caridade, e nunca se faz coleta numa reunião bahá'í. Por um processo ordenado, cada comunidade de Bahá'ís estabelece um Fundo. Os crentes contribuem para os Fundos locais e nacionais, sem pressão, por intermédio do tesouro eleito por cada Assembléia.


Existem no mundo 5 Casas Bahá'ís de Adoração localizadas, nos Estados Unidos, na Alemanha Ocidental, na Austrália, em Uganda e no Panamá. Além destas, estão sendo construídas, uma na Samoa Ocidental e outra na Índia.


No decorrer do tempo, haverá Casas Bahá'ís de Adoração em todas as localidades, mas no momento, enquanto os recursos são relativamente pequenos, há poucas sedes locais, e a maioria das comunidades se reúnem em casas particulares ou em salões alugados. Os Bahá'ís reúnem-se a cada dezenove dias para devoção, consideração dos assuntos da comunidade, e confraternização. Observam vários Dias Sagrados Bahá'ís, sendo convidados para certas comemorações pessoais de outras regiões.


As atividades de ensino ao público ficam a critério das comunidades individuais e assumem muitas formas. A ênfase, presentemente, está na mais larga difusão possível da Fé. Uma sucessão de planos mundiais, em progresso desde 1937, tem estabelecido a Fé na maior parte dos países e territórios do globo. Muitos Bahá'ís têm saído como "pioneiros" para remotos cantos da Terra, estabelecendo-se como residentes na área, sem título ou cargo, trabalhando, conseguindo meio de vida independente, se há possibilidade disso, e apresentando os ensinamentos de Bahá'u'lláh da maneira que as condições locais permitam.


Os Bahá'ís têm uma convicção de que a ordem administrativa que estão construindo, pondo em prática todos os ensinamentos de Bahá'u'lláh tão completamente quanto podem, é realIl1ente um modelo-piloto da futura ordem mundial. E uma sociedade internacional em miniatura, sem conflitos nacionalistas ou ideológicos, sem preconceito racial, sem distinção de classe, sem as barreiras de diferenças religiosas. Bahá'ís residem agora em mais de 373 países e dependências e vêm das mais variadas origens nacionais, raciais, religiosas e sociais. Acreditam que, no decorrer do tempo, à medida que o mundo buscar, desesperadamente, uma saída do caos, se tornará consciente do exemplo da sociedade Bahá'í em seu meio - sociedade esta, fundada em princípios espirituais, mas harmonizando estes com adiantados conceitos seculares, a fim de conseguir um organismo social que funcione eficazmente. O mundo, então, poderia estar pronto para seguir este exemplo.


Conclusão


A Fé Bahá'í é uma religião, uma sociedade e um modo de vida. Verdades espirituais que o mundo necessita, mas das quais se desviou, ela as oferece de novo e para regular a sociedade, provê leis que são novas e se adaptam às exigências de nossa própria era. Está ainda em sua infância, com suas mais importantes realizações e seu maior período de crescimento à sua frente. Como no caso de muitas religiões mais antigas, seu processo nesta etapa pode parecer relativamente lento, pois suas idéias são adiantadas, e muitos são os ajustes e os sacrifícios exigidos daqueles que a seguem.


Em retribuição, oferece-lhes não só uma resposta para os problemas pessoais, que surgem numa sociedade moderna e complexa, com suas tensões extremas, mas também o conhecimento inspirador de que estão participando dos anos formativos de uma Fé destinada a ser grande - uma Fé que nutre a mais nova Mensagem de Deus ao mundo e é o canal através do qual a humanidade será conduzida para a unidade, que é a sua única salvação.


Nas palavras de Shoghi Effendi: "O princípio da Unidade do Gênero Humano ... representa a consumação da evolução humana - uma evolução que teve seus primórdios no despontar da vida de família, seu desenvolvimento posterior ao alcançar a solidariedade de tribo, a qual por sua vez levou à constituição da cidade-estado, cuja expansão subseqüente resultou na instituição das nações independentes e soberanas.


"O princípio da Unidade do Gênero Humano, segundo foi proclamado por Bahá'u'lláh , acarreta nada mais nada menos que uma solene asserção de que chegar a esta etapa final, nesta estupenda evolução, não é apenas necessário, mas sim inevitável, que sua realização se aproxime rapidamente, e que nada menos que um poder oriundo de Deus conseguirá estabelecê-la."


BIBLlOGRAFIA


São relacionados abaixo vários livros básicos Bahá'ís que auxiliarão o leitor que deseje adquirir um conhecimento mais amplo da história e ensinamentos bahá' ís. Muitos podem ser encontrados em bibliotecas públicas ou de universidades. Uma lista de publicações pode ser obtida, a pedido, da Editora Bahá'í - Brasil, R. Eng. Gama Lobo 267, 20551 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Livros Bahá'ís também podem ser encontrados em várias livrarias. Professores ou alunos que desejem assistência ou sugestões, escrevam para a Sede Nacional Bahá'í, R. Eng. Gama Lobo 267, 20551 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, ou a Sede Nacional dos Bahá'ís de Portugal, Av. Ventura Terra 1, 1600 - Lisboa, Portugal, ou Sede Nacional dos Bahá'ís de Cabo Verde, Angulo das Ruas do Senegal com Antonio Nunes, Praia, Cabo Verde.


Escrituras Sagradas


A Revelação Bahá'í


Uma grande seleção das escrituras de Bahá'u'lláh e 'Abdu'l-Bahá. As de Bahá'u'lláh incluem sobre Deus e Seus Manifestantes, o Homem, a Unidade Mundial e a conduta individual. As escrituras de 'Abdu'l-Bahá tratam os mesmos assuntos e incluem uma seção especial concernente ao cristianismo. (275 pág.)


Epístolas de Bahá'u'lláh


Uma compilação de epístolas escritas nos últimos anos da vida de Bahá'u'lláh que enunciam certos preceitos e princípios que constituem o âmago de Sua Fé.


Estas Epístolas - efusões poderosas e finais de Sua pena incansável - ocupam uma posição eminente dentre os frutos mais seletos revelados através de Sua mente, e marcam a consumação de Seu ministério de quarenta anos. (301 pág.)


Kitáb-i-Iqán (O Livro da Certeza) por Bahá'u'lláh


Expõe o grande esquema redentor de Deus, revelando a unidade da religião, sua continuidade e evolução através dos Profetas sucessivos de Deus, e elucida várias passagens alegóricas das Escrituras judaicas, cristãs e islâmicas, cujo significado está "selado até o tempo do fim". (189 pág.)


As Palavras Ocultas de Bahá'u'lláh


Meditações breves e poéticas que cristalizam a essência de toda a verdade revelada. (71 pág.)


O Esplendor da Verdade por 'Abdul'l-Bahá


Explanações sobre uma grande variedade de questões espirituais e filosóficas, e uma parte devotada especialmente a temas cristãos. (244 pág.)


Orações Bahá'ís


Uma seleção de orações e meditações reveladas por Bahá'u'lláh, o Báb, e 'Abdu'l-Bahá. (159 pág.)


A Proclamação de Bahá'u'lláh, compilada pela Casa Universal de Justiça


Uma compilação de Epístolas em que Bahá'u'lláh proclamou, em linguagem clara e inconfundível, aos reis e governantes do mundo, aos seus líderes religiosos e à humanidade em geral, que a era, longamente esperada, de paz mundial e fraternidade, havia, finalmente, se iniciado e que Ele Próprio era o Portador da nova mensagem e do poder de Deus que iriam transformar o sistema, então prevalecente, de antagonismo e inimizade entre os homens e criar o espírito e a forma da predestinada ordem mundial. (131 pág.)


Obras Introdutoras e Diversas


Bahá'u'lláh e a Nova Era por J. E. Esslemont


Um livro básico de introdução à Fé Bahá'í, apresentando a sua história e ensinamentos. Inclui muitas citações das escrituras Bahá'ís. (219 pág.)


Ladrão na Noite por William Sears


Escrito como um romance de mistério, com o subtítulo "O Estranho Caso do Milênio Esquecido". Esta apresentação de Bahá'u'lláh como Aquele previsto nas Escrituras do mundo, prende o interesse do leitor desde a primeira página. Há mais de 400 referências da Bíblia. O título é inspirado na passagem: "Mas o dia do Senhor virá como um ladrão na noite ..." II Pedro, 3:10 (280 pág.)


Prescrição para a Vida por Ruhíyyih Rabbani


A abordagem Bahá'í dos problemas íntimos da vida cotidiana, pela viúva de Shoghi Effendi. (231 pág.)


Chamado às Nações por Shoghi Effendi


Uma seleção das mensagens de Shoghi Effendi que proclamam o significado e o propósito da Mensagem Bahá'í. Uma luz e guia para toda a humanidade neste tenebroso período de nossa história - período esse, todavia, cujo horizonte distante resplandece com a promessa daquele mais glorioso de todos os dias, predito através de todos os tempos por profetas e videntes, e celebrado em verso por poetas - aquele dia que desponta agora, realmente, para os filhos dos homens em sua tribulação e desespero. (84 pág.)


Cristo e Bahá'u'lláh por George Townshend


Traça a história e explica o significado da expectativa cristã do advento do reino de Deus sobre a terra. (120 pág.)


Renascimento da Civilização por David Hoffman


Uma breve exposição da origem e crescimento da comunidade bahá'í, a natureza prática de seus ensinamentos, e a promessa que contem. (127 pág.)


Unidade Mundial - Um Modelo para a Sociedade Futura por Stanwood Cobb


Um enfoque nos ensinamentos sociais da Revelação enunciada por Bahá'u'lláh, cuja finalidade é o estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial neste planeta. (103 pág.)


História e Desenvolvimento Administrativo


A Presença de Deus por Shoghi Effendi


A história do primeiro século da Era Bahá'í - de 1844 a 1944.


Esta majestosa história recria as cenas e eventos do primeiro século da Dispensação Bahá'í (1844-1944). Presenciamos a declaração do Báb ao Seu primeiro discípulo.Seu aprisionamento e martírio, o destino dos heróicos Rompedores da Alvorada, o aprisionamento e exílio de Bahá'u'lláh, a Sua revelação de livros e epístolas, o papel do Centro do Convênio e Suas viagens ao Egito, Europa e América e o levantamento da Comunidade Bahá'í e a ordem administrativa através do mundo. (552 pág.)


Sabedoria e Dissimulação: O Uso e Significado de Hikmat nas Escrituras e História Bahá'í

 


Por Susan Manneck

Publicado na Bahá'í Studies Review, 6

1996

O propósito deste artigo é examinar um significado técnico particular do termo sabedoria ou hikmat, como esse termo aparece tanto nos Escritos Bahá'ís quanto nos relatos históricos. Em muitos casos, o hikmat exige a aparente suspensão de um princípio bahá'í para garantir a proteção da Fé. Isso de forma alguma esgota as maneiras pelas quais o termo hikmat aparece nesses lá. Quando os textos filosóficos gregos foram traduzidos para o árabe, sophia ou verdade metafísica e phronesis ou prudência foram ambos traduzidos usando o mesmo termo hikmat para o que eram dois conceitos aristotélicos distintos. Para Aristóteles, sophia era o conhecimento do eterno e dos princípios, enquanto phronesis se referia ao reino da ação moral e política. O uso do termo hikmat por Bahá'u'lláh muitas vezes reflete esses dois significados. Este papel, no entanto, [1] Bahá'u'lláh considerava a aplicação de qualquer de suas leis contidas no Kitab-i-Aqdas como condicional ao exercício da sabedoria. [2] Da mesma forma, a disseminação dos escritos bahá'ís foi limitada pela mesma razão. [3] Shoghi Effendi, embora afirmando "que na própria raiz da Causa está o princípio do direito indubitável do indivíduo à auto-expressão", achou necessário insistir que os bahá'ís submetessem temporariamente seu trabalho aos censores antes da publicação como medida provisória "destinada a guardar e proteger a Causa em seu presente estado de infância e crescimento até o dia em que esta planta tenra e preciosa tiver crescido o suficiente para ser capaz de resistir à insensatez de seus amigos e aos ataques de seus inimigos.” Adib Taherzadeh, que escreveu mais extensivamente sobre os escritos de Bahá'u'lláh, define o uso bahá'í da sabedoria nestes termos: Sabedoria significa tomar qualquer ação louvável por meio da qual a Causa de Deus possa ser promovida. Falta de sabedoria é fazer ações que, devido às circunstâncias, resultem em dano à Fé, ainda que sejam realizadas com o melhor motivo possível. [5]

Esta definição, embora de forma alguma imprecisa, transmite muito vagamente o uso pragmático ao qual este termo foi aplicado e por que e como o termo "sabedoria" ou hikmat veio a adquirir tal significado. Observar a sabedoria na prática muitas vezes envolvia atos que normalmente não seriam considerados louváveis. Estes incluíam: negar ou enganar as pessoas em relação à identidade bahá'í, ocultar aspectos inconvenientes dos ensinamentos bahá'ís e comprometer certos princípios bahá'ís. É minha tese que o termo "sabedoria", quando se refere ao comportamento ordenado para a proteção da Fé, tem raízes profundas na teologia, cultura e história iranianas. Seu uso não é diferente da inescrutável Sabedoria de Deus descrita na religião persa desde o zoroastrismo. Também está ligado às convenções iranianas de etiqueta (ta'aruf). Além disso, hikmat tem uma função não muito diferente do papel desempenhado por taqiyyih ou dissimulação no islamismo xiita.

 

Sabedoria e Normas Culturais Persas

A etiqueta persa, ou ta'aruf, envolve a ocultação e o controle de sentimentos ou opiniões pessoais a serviço de interações públicas tranquilas. Às vezes, isso pode significar nada mais do que recusar refrescos quando oferecidos inicialmente, não importa o quanto a pessoa esteja com fome; outras vezes, envolve interações sociais muito mais complexas, onde o status relativo é determinado. Os iranianos costumam reservar o acesso ao seu eu interior a um pequeno círculo de íntimos. Entre essas pessoas, as interações devem ser puras e constantes, mantendo uma integridade espiritual. Com os que estão fora desse círculo, comporta-se com reserva e formalidade, ocultando as verdadeiras intenções. Os ocidentais muitas vezes interpretam esse comportamento como hipócrita. Quando o ta'aruf é combinado com uma astúcia de mercado, zerangi, [6] Os iranianos consideram esse comportamento cortês, prudente e necessário ao lidar com um mundo incerto e traiçoeiro. Longe de serem cínicos e insinceros, eles se vêem simplesmente conduzindo-se com sabedoria. Como foi mencionado anteriormente, hikmat cumpriu uma função dentro da comunidade bahá'í iraniana muito semelhante ao papel de taqiyyih ou dissimulação no islamismo xiita. Taqiyyih refere-se à prática de ocultar a própria crença para evitar a perseguição. Tal comportamento é tolerado e até exigido dos xiitas que frequentemente viviam entre uma maioria sunita hostil. O versículo do Alcorão condenando a apostasia, mas que acrescenta as palavras "exceto para aqueles que são compelidos enquanto seus corações estão firmes na fé" é usado para justificar essa prática. [7] Como em ta'aruf, é feita uma distinção entre comportamento externo e convicção interna. Taqiyyih pode envolver nada mais do que assumir posições de oração de muçulmanos sunitas enquanto realiza orações obrigatórias publicamente ou pode implicar uma negação real de sua fé.

Durante o período medieval da história islâmica, o taqiyyih passou a ser praticado por filósofos e místicos, bem como por xiitas, a fim de se proteger contra a perseguição por parte dos ulemás mais intolerantes. Tal abordagem foi encorajada até mesmo pelo grande teólogo sunita al-Ghazali, que defendeu o que o renomado historiador do Islam, Marshall Hodgson, descreveu como um "padrão de gradação e ocultação do conhecimento". [8] Os crentes comuns não deveriam ter acesso a certos tipos de conhecimento religioso para que não o entendessem mal e tropeçassem como resultado. Da mesma forma, Avicena, o maior dos aristotélicos islâmicos, em sua qualidade de qadi, ou juiz islâmico, condenaria aqueles que popularizaram livremente os ensinamentos de Aristóteles. Os sufis também criticaram al-Hallaj, o famoso místico que foi crucificado por afirmar "Eu sou a verdade", não porque o sentimento fosse herético em si, mas porque al-Hallaj estava revelando segredos que poderiam inclinar as pessoas comuns à blasfêmia. O conhecimento no mundo islâmico passou a ser dividido em categorias exotéricas e esotéricas. O conhecimento exotérico era acessível a todos os muçulmanos e tendia a ser concebido em termos inequívocos em preto e branco. O conhecimento esotérico exigia iniciação e os trabalhos que continham tal conhecimento tendiam a ser redigidos de forma a serem ininteligíveis para aqueles que ainda não estavam familiarizados com seus mistérios. Como Marshall Hodgson aponta: Quando todas as declarações dissidentes foram lançadas em forma esotérica, reconhecendo explicitamente a correção das doutrinas exotéricas recebidas...tornou-se fácil encontrar desculpas para duvidar de um dissidente. Ninguém negou as posições oficiais; a questão era simplesmente se o que mais uma pessoa dizia de fato contradizia essas posições. Mas se a escrita fosse feita com obscuridade suficiente, a culpa nunca poderia ser provada além de uma dúvida razoável. [9]

Embora essa abordagem permitisse a existência de muito mais diversidade intelectual no mundo islâmico do que era possível na cristandade na época, havia um preço a ser pago pela dissimulação. A intelligentsia muçulmana, tornando-se incompreensível para o povo, sacrificou qualquer esperança de mudar a direção da comunidade como um todo.

 

Sabedoria nos Escritos de Bahá'u'lláh

Embora a dissimulação fosse condenada nos escritos de Bahá'u'lláh, muitos aspectos da prática persistiram sob o nome de hikmat. Bahá'u'lláh escreveu: Neste Dia, Não podemos aprovar a conduta do medroso que procura dissimular sua fé, nem sancionar o comportamento do crente declarado que clamamente afirma sua fidelidade a esta Causa. Ambos devem observar os ditames da sabedoria e esforçar-se diligentemente para servir aos melhores interesses da Fé. [10]

Na Epístola da Medicina, bem como na Epístola da Prova, Bahá'u'lláh combina sabedoria com eloquência ou explicação (hikmat va bayan), sugerindo que se deve proclamar a Causa discretamente. No caso da Epístola da Prova, Bahá'u'lláh insistiu que os crentes exercessem sabedoria não protestando contra seus maus tratos nas mãos das autoridades: A ninguém é dado o direito de protestar contra alguém a respeito daquilo que aconteceu à Causa de Deus. Incumbe a quem quer que tenha voltado sua face para o Mais Sublime Horizonte apegar-se tenazmente ao cordão da paciência, depositar sua confiança em Deus, o Amparo no Perigo, o Ilimitado. Ó vós, amados de Deus! Bebam-se da fonte da sabedoria, andem no jardim da sabedoria e falem com sabedoria e eloquência. Assim te ordena teu Senhor, o Todo-Poderoso, o Onisciente. [11]

A injunção para observar a sabedoria deveu-se à situação perigosa em que se encontravam os bahá'ís no Irã. Na Epístola da Medicina, Bahá'u'lláh afirma que o propósito do hikmat é a proteção dos amigos para que possam permanecer no mundo para fazer menção ao Senhor de todos os mundos. [12] Mais comumente, o hikmat envolvia apresentar a Fé aos não-crentes de maneira a evitar controvérsias e garantir uma recepção positiva. Nas palavras de Bahá'u'lláh, Fixe seu olhar na sabedoria em todas as coisas, pois é um antídoto infalível. Quantas vezes ele transformou um incrédulo em um crente ou um inimigo em um amigo? Sua observância é altamente essencial, visto que isto foi estabelecido em numerosas Epístolas reveladas do empíreo da Vontade Daquele que é a Manifestação da luz da unidade divina. Bem é com eles que agem em conformidade. [13]

Às vezes, até mesmo o Lawh-i-Hikmat, no qual o texto hikmat geralmente se refere à filosofia grega, Bahá'u'lláh tem este significado em mente: Dize: A expressão humana é uma essência que aspira a exercer sua influência e necessita de moderação...Quanto à sua moderação, isso deve ser combinado com tato e sabedoria, conforme prescrito nas Sagradas Escrituras e Epístolas. [14]

Um exemplo em que o próprio Bahá'u'lláh exerce esse tipo de sabedoria pode ser visto em uma Epístola endereçada a Mirza Abu'l-Fadl em resposta a algumas questões levantadas por Manakji, um parsi para quem Abu'l-Fadl trabalhava. Manakji havia perguntado como poderia ser, se todas as religiões viessem de Deus, que todas tivessem leis e ordenanças diferentes, de tal forma que uma proibia a carne de porco, enquanto a outra proibia a carne bovina. Bahá'u'lláh diz-lhe que, visto que a resposta a esta pergunta vai contra os ensinamentos islâmicos, seria contrário à sabedoria dar-lhe uma resposta direta, especialmente porque Manakji tinha a seu serviço pessoas de várias religiões que poderiam por acaso encontrar esta carta. [15] Em vez disso, Bahá'u'lláh alude à Epístola do Médico Divino onde Ele disse que cada época tem necessidades diferentes e que se deve examinar os ensinamentos bahá'ís para ver se eles são o remédio para os males de hoje. [16] Essa perspectiva teria ofendido os muçulmanos, pois eles acreditavam que cada religião começou com os mesmos ensinamentos que só posteriormente se corromperam para serem finalmente restaurados com o Islam. A fim de evitar acusações de heresia, Bahá'u'lláh tenta ser o mais discreto possível ao sugerir que as várias religiões tiveram leis e ordenanças diferentes desde o início. Ele alude à necessidade de alimentar as crianças com leite e não carne para que não pereçam. Fazer o contrário seria errado e longe de ser sábio. Somente o Manifestante de Deus pode determinar tais questões. Enquanto às vezes o hikmat envolvia ocultar os pontos de vista genuínos em situações de insegurança e possível perseguição, Bahá'u'lláh outras vezes falava dele em termos mais amplos como aquela sagacidade de espírito que deveria tipificar todas as nossas interações humanas em todos os tempos. Este parece ser o sentido em que Ele o usa na seguinte Palavra Oculta:

Ó FILHO DO PÓ! Sábios são aqueles que não falam salvo se tiverem quem ouça, assim como o portador da taça, que só a oferece quando encontra quem a procure, e o apaixonado, que não exclama das profundezas de seu coração antes de fitar a beleza de sua bem-amada. Lança, pois, as sementes da sabedoria e do conhecimento no solo puro do coração, e guarda-as ocultas, até que os jacintos da sabedoria divina brotem do coração, e não do lodo e do barro.

 

Sabedoria dentro da Comunidade Bahá'í

Embora Bahá'u'lláh tenha feito uma distinção clara entre hikmat e taqiyyih para muitos dos primeiros crentes, a diferença parece ter sido pequena. Muhammad Tahir Malmari, em seu relato dos martírios bahá'ís em Yazd, frequentemente descreve casos em que os crentes acusados ​​de serem bahá'ís negaram explicitamente que assim fosse. No entanto, quando instruídos a provar sua descrença amaldiçoando ou condenando a religião, eles silenciosamente foram para a morte, "firmes e inabaláveis", de acordo com Malmari. [19] Amaldiçoar um iraniano do século XIX foi concebido como tendo efeitos muito reais e concretos. Isso, sem dúvida, explica em parte a insistência dos bahá'ís em traçar uma linha neste ponto. Mas parece também que os primeiros bahá'ís fizeram uma distinção entre negar sua própria identidade como bahá'ís, um ato que sob coação eles estavam dispostos a cometer, e negar a validade da própria Fé, pela qual eles estavam preparados para morrer antes fazendo. As respostas ao interrogatório variaram de indivíduo para indivíduo. Os relatos de Malmari incluem o caso de um bahá'í que, quando perguntado se ele era um babi, respondeu corajosamente: Não, ele era um bahá'í e passou a descrever a diferença.[20] Esse comportamento foi mais a exceção do que a regra, no entanto. A distinção que os bahá'ís fizeram entre negar sua identidade como bahá'ís e negar a validade da revelação bahá'í é corroborada pelo comportamento dos judeus bahá'ís em Hamada durante este período. Ruhu'u'llah Mihrabkhani relata que os judeus bahá'ís de Hamadan no século XIX, "para observar hikmat" foram aos missionários presbiterianos e fingiram conversão ao cristianismo. Eles continuaram a se associar com os missionários até que Mirza Abu'l-Fadl visitou Hamada e, no decorrer de suas discussões com os missionários, deixou claro que os judeus passaram a reconhecer Jesus como o Messias apenas em virtude de terem aceitado a mensagem de Bahá'u'lláh. [21] Após este e outros incidentes semelhantes, um missionário exortou outros a insistirem que qualquer candidato a membro da igreja deveria negar especificamente que Bahá'u'lláh era o "retorno" do profeta precedente de uma maneira análoga à maneira pela qual os cristãos entendiam João Batista como sendo o "retorno" de Elias. A "confissão" de fé recomendada aos batizandos era a seguinte: creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus; que Ele realmente morreu na cruz para nossa salvação; que Ele realmente e verdadeiramente ressuscitou dos mortos, deixando para trás um túmulo vazio; que somente Ele é o Salvador do Mundo. Nego a doutrina do rij'at (retorno), pela qual devo acreditar que Jesus foi o retorno de Moisés, e que Muhammad, o Báb e Bahá'u'lláh foram os retornos de Jesus, e declaro que o ensino é falso. Aceitando Jesus como meu Senhor e Salvador, declaro que Muhammad, o Báb e Bahá'u'lláh foram falsos profetas e falsos guias, desviando os homens da verdade. [22]

Embora esta declaração não envolvesse nenhuma maldição real contra o Báb ou Bahá'u'lláh, os missionários sentiram-se confiantes de que nenhum bahá'í faria tal confissão e eles estavam bastante corretos. Negar a identidade como bahá'í era a forma mais extrema de hikmat praticada dentro da comunidade e tal comportamento deixou de ser sancionado durante o ministério de Shoghi Effendi. [23] Dados os extremos perigos e perseguições que os bahá'ís enfrentaram ao longo de sua história, esse compromisso e ocultação seriam tolerados é bastante compreensível. A questão permanece, porém, por que tais atos foram chamados de "sabedoria"?

Sabedoria Divina e Previsão

A sabedoria no contexto iraniano é frequentemente identificada com previsão. Nos escritos de Shoghi Effendi em inglês, a palavra sabedoria muitas vezes pode ser substituída por previsão sem perda de significado. A falta de sabedoria às vezes está diretamente associada à miopia. Em uma carta datada de 28 de novembro de 1931, por exemplo, ele em grande parte atribui a Depressão à "imprudência e miopia" dos autores do Tratado de Paz de Versalhes.[24] A noção de sabedoria como previsão remonta ao Zoroastrismo, a religião profética mais antiga do Irã, onde é considerada o principal atributo que distingue Deus do Maligno e assegura Sua vitória final. No Zoroastrismo, Deus é tratado como Ahura Mazda, que significa Senhor Sábio. Durante o período sassânida, quando o pensamento zoroastriano se cristalizou, Ahura Mazda não era considerado onipotente, pois Seu poder era limitado pela existência independente de Ahriman, o Maligno. Sua única vantagem sobre Ahriman repousa em Sua posse de sabedoria como previsão, que Ahriman carece totalmente. Quando, na pré-existência, Ahriman insistiu em fazer guerra a Ahura Mazda e rejeitou as propostas de paz de Ahura Mazda, Ahura Mazda enganou Ahriman para estabelecer um limite de tempo para a batalha, inventando assim o tempo linear. Ahura Mazda com Sua sabedoria podia prever que, uma vez estabelecido um limite no tempo, o próprio mal seria limitado e contido, e a vitória das forças do bem seria assegurada. Ahriman, incapaz de prever esse resultado, concordou com os termos. Ahura Mazda então revelou a Ahriman o resultado final de sua loucura, e Ahriman caiu inconsciente e assim permaneceu pelos próximos três mil anos, período durante o qual Ahura Mazda criou o mundo material que ajudaria na eventual destruição de Ahriman.

Frequentemente os escritos bahá'ís referem-se à sabedoria divina como um ato de ocultação seletiva para obter benefícios de longo alcance. Tal sabedoria está inserida na própria noção de Revelação Progressiva, na qual Deus se revelou não de acordo com Seu próprio Ser, mas de acordo com a capacidade da humanidade de receber conhecimento Dele. Em Os Sete Vales Bahá'u'lláh afirma que aquele que obteve o verdadeiro conhecimento apreenderá "a sabedoria divina nas infindáveis Manifestações de Deus" e não será enganado pela natureza aparentemente contraditória da atividade de Deus no mundo. [25] Um exemplo de tais eventos aparentemente contraditórios foi a interrupção da instituição de um Guardião vivo com a morte de Shoghi Effendi. De acordo com a Vontade e Testamento de 'Abdu'l-Bahá, o Guardião da Causa de Deus tinha a responsabilidade de "nomear em seu próprio tempo de vida aquele que se tornará seu sucessor, para que não surjam diferenças após seu falecimento..." [26] No entanto, Shoghi Effendi faleceu sem fornecer um sucessor ou escrever um testamento. Mas como a Casa Universal de Justiça apontou, na morte de Shoghi Effendi não havia candidatos potenciais para esta posição, o Guardião não tinha filhos e seus familiares morreram ou foram expulsos da comunidade. Consequentemente, a Casa de Justiça insistiu: O fato de Shoghi Effendi não ter deixado um testamento não pode ser aduzido como evidência de sua falha em obedecer a Bahá'u'lláh - ao contrário, devemos reconhecer que em seu próprio silêncio há uma sabedoria e um sinal de sua orientação infalível. [27]

Na questão dos direitos das mulheres, a sabedoria divina, no sentido que acabamos de discutir, e a injunção aos bahá'ís de observar a "sabedoria" em suas ações convergem diretamente. Enquanto Bahá'u'lláh proclamava inequivocamente a igualdade entre homens e mulheres, [28] 'Abdu'l-Bahá, em resposta a uma pergunta sobre a exclusão das mulheres da Casa de Justiça de Chicago, respondeu que a Casa de Justiça, "de acordo com o texto explícito da Lei de Deus, está confinado aos homens, isto por uma sabedoria do Senhor Deus, que em breve se manifestará tão claramente quanto o sol ao meio-dia”. [29] Sete anos depois 'Abdu' l-Bahá decidiu que essa exclusão se aplicava apenas à ainda não formada Casa Universal de Justiça e permitia que as mulheres na América servissem em órgãos locais. [30] Quando as mulheres no Irã, no entanto, tentaram imitar as mulheres bahá'ís americanas descartando o véu e exigindo um papel maior na administração bahá'í, 'Abdu'l-Bahá insistiu que "nada deveria ser feito contrário à sabedoria". Ele ainda as admoestou: Vocês precisam estar calmas e compostas, para que o trabalho prossiga com sabedoria, caso contrário, haverá tanto caos que você deixará tudo e fugirá. "Este bebê recém-nascido está percorrendo em uma noite o caminho que precisa de cem anos para trilhar." [Um provérbio persa]. Em resumo, você deve agora se envolver em assuntos de pura espiritualidade e não contender com os homens. 'Abdu'l-Bahá tomará as medidas apropriadas com muito tato. Tenha certeza. No final tu mesmo exclamarás: "Esta foi realmente a sabedoria suprema!" [31]

A ansiedade de 'Abdu'l-Bahá com a agitação das mulheres bahá'ís iranianas era bastante compreensível. Nada teria despertado maior antipatia dos muçulmanos do que ver mulheres bahá'ís descobertas e movendo-se livre e igualmente entre os homens. Uma mulher não podia consultar em particular em um conselho com homens e esperar manter sua reputação. O próprio Bahá'u'lláh providenciou a aplicação progressiva da lei bahá'í por razões de sabedoria. Ele afirmou: De fato, as leis de Deus são como o oceano e os filhos dos homens como peixes, se eles soubessem disso. No entanto, ao observá-los, deve-se exercitar o tato e a sabedoria... Como a maioria das pessoas é fraca e distante do propósito de Deus, portanto, deve-se observar o tato e a prudência em todas as condições, para que nada aconteça que possa causar perturbação e dissensão. ou levantar clamor entre os sem cabeça.[32]

Este princípio foi aplicado por 'Abdu'l-Bahá e Shoghi Effendi no caso dos ensinamentos bahá'ís sobre a monogamia. O Kitab-i Aqdas parece permitir a bigamia quando afirma: "Cuidado para não tomar para si mais esposas do que duas". [33] Em uma carta não traduzida, 'Abdu'l-Bahá deu permissão a um crente para tomar uma segunda esposa. Ele também indicou que a lei sobre não ter mais de duas esposas não pode ser revogada. Ele também observou que esta lei estava condicionada à justiça, que era uma condição virtualmente impossível de cumprir, mas que 'Abdu'l-Bahá não impediria os crentes de se casarem com uma segunda esposa se estivessem certos de que agiriam com justiça. [34]Tanto durante o ministério de Bahá'u'lláh quanto a bigamia de 'Abdu'l-Bahá foi praticada nas comunidades bahá'ís do Oriente Médio. Ainda em outra Epístola 'Abdu'l-Bahá declarou:

Saiba que a poligamia não é permitida sob a lei de Deus, pois o contentamento com uma esposa foi claramente estipulado. Tomar uma segunda esposa depende da equidade e da justiça entre as duas esposas, sob todas as condições. No entanto, a observância da justiça e equidade em relação a duas esposas é totalmente impossível. O fato de a bigamia ter se tornado dependente de uma condição impossível é uma prova clara de sua proibição absoluta. Portanto, não é permitido que um homem tenha mais de uma esposa. [35]

Shoghi Effendi mais tarde determinou que esta declaração de 'Abdu'l-Bahá seria considerada normativa dentro da comunidade bahá'í. [36] Uma carta do Departamento de Pesquisa do Centro Mundial sobre este tópico sugere que 'Abdu'l-Bahá "introduziu a questão da monogamia gradualmente de acordo com os princípios de sabedoria e o desdobramento progressivo de Seu propósito". [37] Como vimos, o termo sabedoria nos escritos bahá'ís, quer se refira à sabedoria divina inescrutável ou à cautela e tato com que os bahá'ís são instados a conduzir-se para a proteção da Fé, geralmente traz consigo a conotação de previsão. Na prática, a palavra poderia ser usada dentro da comunidade para se referir a atos que aparentemente contradiziam alguns dos princípios básicos da Fé, mas que, a longo prazo, eram vistos como servindo ao seu melhor interesse. Especialmente incluído entre tais atos está à disposição por parte dos crentes de negar sua identidade bahá'í sob perseguição, o exercício temporário de censura e compromissos feitos em relação a questões de gênero.

 

Sabedoria e bolsa de estudo

O conceito de hikmat, como acabamos de discutir, às vezes se encontra em rota de colisão com outro princípio muito caro aos bahá'ís, a investigação independente da verdade. Se, em nome do hikmat, for possível obscurecer, ocultar ou comprometer os ensinamentos bahá'ís de qualquer forma, como alguém, bahá'í ou não-bahá'í, pode conduzir uma investigação adequada de sua validade? Como se pode esperar que alguém "veja com seus próprios olhos e não com os olhos dos outros" se outros determinam o que eles poderão examinar? Nos últimos anos, essa questão adquiriu certa urgência, especialmente entre os crentes ocidentais, a maioria dos quais são convertidos que nunca teriam deixado a religião de seus pais para se tornarem bahá'ís se já não estivessem comprometidos em seus corações com esse princípio. Esta questão é especialmente importante para acadêmicos e estudiosos bahá'ís. Embora a comunidade bahá'í em geral, e os crentes persas em particular, possam desejar que o erudito acadêmico bahá'í se limite a tópicos que edifiquem a comunidade e promovam a expansão da Causa, o estudioso individual muitas vezes sente que sua pesquisa deve ser guiada apenas pelo princípio "Ele deve limpar seu coração de tal maneira que nenhum vestígio de amor ou ódio possa permanecer nele, para que esse amor não o incline cegamente ao erro, ou que o ódio o afaste da verdade".[38] Com relação a isso, o erudito, muitas vezes para desgosto de alguns bahá'ís, às vezes acha mais produtivo brilhar sua luz nos cantos escuros. Em conexão com esta questão, deve-se reconhecer que Bahá'u'lláh colocou sobre os eruditos um encargo especial em relação ao exercício da sabedoria.

No Lawh-i-Maqsud, Bahá'u'lláh discute a maneira pela qual os eruditos devem "transmitir orientação ao povo". [39] "Nenhum homem de sabedoria", afirma Ele, "pode ​​demonstrar seu conhecimento a não ser por meio de palavras". "Além disso", ele continua, "palavras e declarações devem ser impressionantes e penetrantes. No entanto, nenhuma palavra será infundida com essas duas qualidades a menos que seja pronunciada totalmente por amor a Deus e com a devida consideração às exigências da ocasião e as pessoas." Bahá'u'lláh prossegue dizendo: Cada palavra é dotada de um espírito, portanto, o orador ou expositor deve proferir suas palavras no momento e lugar apropriados, pois a impressão que cada palavra causa é claramente evidente e perceptível...Uma palavra pode ser comparada ao fogo, outra à luz, e a influência de ambas se manifesta no mundo. Portanto, um homem iluminado de sabedoria deve principalmente falar com palavras suaves como leite, que os filhos dos homens possam ser nutridos e edificados assim e possam atingir o objetivo final da existência humana...Cabe ao homem prudente de sabedoria falar com a máxima clemência e tolerância para que a doçura de suas palavras possa induzir a todos a alcançar aquilo que condiz com a posição do homem. [40]

Em outra parte da mesma Epístola Bahá'u'lláh reitera a conexão da sabedoria com a tolerância. Ele diz: "O céu da sabedoria divina é iluminado com os dois luminares de consulta e compaixão" [41] e em outros lugares, "O céu da verdadeira compreensão brilha resplandecente com a luz de dois luminares: tolerância e justiça." [42] Esta Epístola sugere que vários fatores devem ser considerados ao julgar a "sabedoria" de nosso trabalho. Primeiro e mais importante é o nosso propósito; nosso trabalho é feito por causa de Deus ou outros motivos estão em operação? Em segundo lugar, devemos considerar nosso público. A quem dirigimos o nosso trabalho e em que circunstâncias? Finalmente, devemos considerar nosso tom, ele reflete a paciência, tolerância e compaixão que Bahá'u'lláh nos exorta a exibir? É transmitido em tal espírito que conduza a mais discursos e consultas? Não proponho respostas fáceis para o dilema imposto ao estudioso que se esforça para aderir tanto aos padrões da sabedoria quanto da verdade. A observação da sabedoria e a investigação independente da verdade são ambos princípios ordenados por Bahá'u'lláh. Mas duas coisas devem ser mantidas em mente em relação a esta questão. A primeira sabedoria, quando envolve a suspensão temporária de um princípio bahá'í, deve ser sempre considerada como uma medida de emergência que deve cessar uma vez que as circunstâncias que a criaram deixem de operar. Em segundo lugar, a sabedoria, como estabeleci, traz consigo a conotação de clarividência. Os atos estão de acordo com a sabedoria, não na medida em que fazem os amigos se sentirem confortáveis, mas na medida em que promovem a Causa de Deus a longo prazo. 

 A este respeito, deve-se reconhecer que muitas ações que os bahá'ís tomaram em nome do hikmat provaram ser de fato míopes. Considere novamente o caso dos judeus bahá'ís de Hamadan que em nome do hikmat fingiram se tornar presbiterianos. Esta ação despertou o antagonismo do Dr. Sa'id Khan, um curdo convertido ao cristianismo. Convencido pela duplicidade daqueles bahá'ís de que a Fé Bahá'í era uma religião baseada no engano, ele passou a coletar o máximo de sujeira que pôde sobre a Causa. O material que ele coletou acabou sendo entregue ao Rev. William McElwee Miller e se tornou a base de seus dois livros atacando a Fé. [43] Mesmo aqueles missionários que, ao contrário de Miller, não tinham nenhum investimento na conversão de outros, passaram a ver os bahá'ís como um povo sem integridade. Alguns deles, como T. Cuyler Young, quando se tornaram eminentes estudiosos nos Estados Unidos e suas atitudes se espalharam para acadêmicos de todo o país. Eu poderia citar vários outros casos, muito mais recentes do que o citado, onde pessoas proeminentes rejeitaram a Causa como resultado de ações tomadas e políticas feitas em nome do hikmat. Os bahá'ís devem exercer vigilância constante para assegurar que o hikmat não seja usado para obter ganhos a curto prazo ou evitar conflitos imediatos sem considerar suas consequências a longo prazo. Tais ações são, de fato, contrárias à sabedoria.

 

Notas

1. My thanks to Dr. Nader Saiedi for bringing this distinction between sophia and phronesis to my attention. For Aristotle's treatment see The Nicomachean Ethics 1140a24-1142b12.

2. Unpublished compilation, National Archives Committee, no. 28, p.179. Cited in Taherzadeh, The Revelation of Bahá'u'lláh, vol. 4, p. 321.

3. Unpublished compilation, National Archives Committee, no. 15, pp. 423-24.

4. Shoghi Effendi, Bahá'í Administration, (Wilmette: 1974), p. 63. That censorship is contrary to Bahá'í principles is underscored by Bahá'u'lláh's prohibition against the destruction or burning of books in the Kitab-i-Aqdas, (Haifa: Universal House of Justice, 1992), p. 48.

5. Adib Taherzadeh, The Revelation of Bahá'u'lláh, Vol. 4, p. 320.

6. Early studies on the Iranian "character" have been reviewed and critiqued in Ali Banuazizi, "Iranian 'National Character': A Critique of Some Western Perspectives," in Psychological Dimensions of Near Eastern Studies, eds. L. Carl Brown and Norman Itzkowitz (Princeton: Darwin Press, 1977), pp, 210-39. Later studies stress the flexibility of Iranian social interactions. See William O. Beeman, "Status, Style and Strategy in Iranian interactions," Anthropological Linguistics, 18 (1976), 305-22.

7. Qur'an 16:106.

8. Marshall G. S. Hodgson, The Venture of Islam, Vol. 2, p. 194.

9. Marshall G. S. Hodgson, The Venture of Islam, Vol. 2, pp. 199-200.

10. Bahá'u'lláh, Gleanings from the Writings of Bahá'u'lláh, p. 343.

11. Bahá'u'lláh, Tablets of Bahá'u'lláh, pp. 212-3.

12. Majmu'a-yi Alwah-I Mubaraka (Wilmette: Bahá'í Publishing Trust, 1981) p. 226.

13. Bahá'u'lláh, Tablets of Bahá'u'lláh, p. 256.

14. Bahá'u'lláh, Tablets of Bahá'u'lláh, p. 143.

15. Ma'idih-I Asmani vol. 7, p. 171. My thanks to Dr. Juan Cole and Dr. Ahang Rabbani for bringing this Tablet to my attention and assisting me in gaining access to it.

16. Ma'idih-I Asmani vol. 7, p. 171

17. Ma'idih-I Asmani vol. 7, p. 172.

18. Bahá'u'lláh, The Hidden Words, pp. 34-35.

19. Muhammad Tahir Malmari, Tarikh-i-Shuhaday-i- Yazd, p. 30-34.

20. Muhammad Tahir Malmari, Tarikh-i-Shuhaday-i- Yazd, p. 59.

21. Ruhu'u'llah Mihrabkhani, Sharhi Ahval-I Jinab-I Abu'l-Fadl-I Gulpaygani (Teheran, 1976), pp. 129-30.

22. J. R. Richards, The Religion of the Bahá'ís, (New York: Macmillian, 1932) pp. 235-6.

23. In Iran today persons wishing to leave the country by plane must sign a form stating that they are not Bahá'ís. Bahá'í institutions, therefore, have regarded Bahá'ís who left Iran by the Tehran airport as apostates.

24. Shoghi Effendi, The World Order of Bahá'u'lláh, p.35. This is one of the few instances where Shoghi Effendi applies the term "unwisdom" to non-Bahá'ís. He also applies it to Kaiser Wilhelm II for his dismissal of Bismarck. The Promised Day is Come, pp. 57-58.

25. Bahá'u'lláh, The Seven Valleys and the Four Valleys, p. 12.

26. 'Abdu'l-Bahá, Will and Testament of 'Abdu'l-Bahá, p. 11.

27. The Universal House of Justice, Wellspring of Guidance, Messages, 1963-1968, p. 82.

28. "Exalted, immensely exalted is He Who hath removed differences and established harmony. Glorified, infinitely glorified is He who hath caused discord to cease, and decreed solidarity and unity. Praised be God, the Pen of the Most High hath lifted distinctions from between His servants and handmaidens and, through His consummate favours and all-encompassing mercy, hath conferred upon all a station and rank on the same plane. He hath broken the back of vain imaginings with the sword of utterance and hath obliterated the perils of idle fancies through the pervasive power of His might." Bahá'u'lláh from Women, p. 1.

29. 'Abdu'l-Bahá, Selections from the Writings of 'Abdu'l-Bahá, p. 80.

30. Cited in the May 31, 1988 letter of the Universal House of Justice to the National Spiritual Assembly of the Bahá'ís of New Zealand.

31. Women, p. 5. Iranian women finally received the right to hold office in 1954.

32. Cited in Introduction to The Kitab-i-Aqdas: The Most Holy Book, p. 6.

33. Bahá'u'lláh, The Kitab-i-Aqdas: The Most Holy Book, ›63.

34. Mazandarani, Fadil, Amr va Khalq, vol. 4, (Tihran: 1974/5-131 B.E.), pp. 175-76.

35. Bahá'u'lláh, The Kitab-i-Aqdas: The Most Holy Book, p. 206.

36. The Guardian's secretary wrote on his behalf: "Regarding Bahá'í marriage: in the light of the Master's Tablet interpreting the provision in the "Aqdas" on the subject of the plurality of wives, it becomes evident that monogamy alone is permissible, and monogamy alone should be practiced." Cited in The Synopsis and Codification of the Kitab-i-Aqdas, Note 17, p. 59.

37. Memorandum from the Research Department to the Universal House of Justice 27 June 1996. My thanks to Milissa Boyer for providing me with a copy of this document. Most of my discussion of the issue of bigamy is based on it.

38. Bahá'u'lláh, Kitab-i-Iqan, p. 192.

39. Bahá'u'lláh, Tablets of Bahá'u'lláh, p. 172.

40. Bahá'u'lláh, Tablets of Bahá'u'lláh, pp.172-72.

41. Bahá'u'lláh, Tablets of Bahá'u'lláh, p. 168.

42. Bahá'u'lláh, Tablets of Bahá'u'lláh, pp. 169- 70.

43. William McElwee Miller, Bahá'ísm. Its Origin, History, and Teachings (Fleming H. Revell Co. , 1931). William McElwee Miller, The Bahá'í Faith: Its History and Teachings (South Pasadena: William Carey Library, 1974). For biographical information on Dr. Sa'id Khan see Isaac Malek Yonan, The Beloved Physician of Teheran (Nashville: Cokesbury Press, 1934) and William McElwee Miller, Ten Muslims Meet Christ, pp. 33-48.